sábado, 30 de maio de 2015

Odontologia Legal: Identificação por arcada dentária

Como muitas pessoas me perguntam como é o assunto, resolvi escrever resumidamente como pode ser feito esse procedimento.
A identificação de humanos feita por arcada dentária é um método comparativo entre a situação da boca ante mortem com a pos mortem. São utilizados documentos odontológicos da suposta pessoa e comparados com os documentos que serão confeccionados no IML como radiografias e odontograma no momento do exame necroscópico. 
A identificação forense é realizada para dirimir dúvidas quanto a identidade do cadáver em diversas situações:
- Identificar vítimas de crimes e, assim, iniciar uma investigação para estabelecer autoria;
- Direito civil de sucessões e novos casamentos;
- Pagamentos de seguros;
- Para que o cadáver possa ser enterrado por seus familiares e/ou respeitando sua religiosidade;
- etc.

Muitos métodos existem além da odontologia legal:
- Identificação visual (através do reconhecimento de familiares, pertences, etc.);
- Impressões digitais;
- Presença de próteses médicas (ortopédicas, cardíacas, etc);
- DNA (material biológico).

Em países desenvolvidos como a Inglaterra, identificações baseadas em odontologia legal são 70% dos casos e em casos de desastres de massa chegam a 90% de identificação (Atkinson, 1994). No Brasil não há dados estatísticos gerais sobre o assunto.

É muito importante que os cirurgiões-dentistas tenham os prontuários dos pacientes bem confeccionados e radiografias em bom estado de conservação a fim de que possam contribuir com a perícia quando a documentação for requisitada.

Infelizmente perdem-se muitos exames de identificação por meio dos dentes por causa da falta de documentação para confronto, por exemplo, quando não conseguimos saber o profissional que tratou da vítima em vida. Por isso, em muitos casos, acaba-se por requisitar exames de DNA a fim de confirmar identidade (o que é feito igualmente por comparação com material genético de algum familiar próximo), mas o exame tem um custo elevado e, geralmente, leva mais de um mês para os familiares poderem, enfim, enterrar seu ente querido. Ao contrário do que ocorre no exame odontolegal, em que temos o resultado da identificação no máximo em poucos dias utilizando de uma metodologia mais barata e rápida. Não seria muito mais simples e barato o Estado investir, então, na identificação odontolegal nos IMLs?

Hoje vou abordar como o exame pode ser feito no dia-a-dia dos IMLs e em outra oportunidade abordarei os exames em desastres de massa.
Nos casos em que os cadáveres não podem ser identificados pelos métodos já listados acima, resta, então a odontologia legal. Geralmente o odontograma (exame de descrição dos achados como restaurações, próteses, anomalias, etc) é feito, assim como fotografias e tomadas radiográficas, se necessário. Se já existe uma documentação para ser comparada então o exame é direcionado para o que se tem de informação disponível. 
Isso me fez lembrar de um caso, um dia desses, de um cadáver que foi encontrado carbonizado no interior da cidade. Os familiares trouxeram toda a documentação odontológica para comparação, mas infelizmente não havia (nem há) odontolegista aqui no posto de Pelotas. Isso levou os familiares a uma espera de quatro meses e meio até o resultado do exame de DNA...o que poderia ter levado apenas algumas horas se transformou em uma espera angustiada de meses.

That's all, folks!









sexta-feira, 29 de maio de 2015

Dundee - Scotland

Vim para a University of Dundee, na Escócia, fazer meu doutorado sanduíche de 4 meses. Estou aqui há um mês e está sendo ótimo.
Tenho acompanhado a rotina do IML em casos de identificação odontolegal com auxílio de tecnologias como Nomad (raios-x portátil) e sensores digitais, além de participar de seminários e desenvolvimento de pesquisa em odontologia legal.
Aos poucos postarei assuntos discutidos e artigos interessantes. 

Cheers!

quarta-feira, 3 de abril de 2013

Comentário sobre Exame Residuográfico


Quando uma arma de fogo é utilizada, são produzidos vestígios que são expelidos pela expansão gasosa vinda da combustão do explosivo presente nos cartuchos. Embora a maior parte dessa expansão se dê através da porção dianteira do cano, uma parcela dessa massa gasosa é expelida pela parte de trás da arma carregando consigo gases oriundos da combustão (CO2 e SO2), bem como chumbo, nitratos, nitritos, entre outros, se aderindo, então, à superfície da pele. 

A partir daí utiliza-se o exame residuográfico a fim de detectar a presença de íons ou fragmentos metálicos de chumbo, por ser o componente metálico mais abundante. Nesta técnica que é utilizada pelo IGP/RS consiste no molhamento com 3 gotas de solução em ácido nítrico a 5% (figura 1) em cada swab (3), um para cada mão e um branco. Então o swab é esfregado na mão em questão (figura 2) e colocado dentro de um tudo para criogenia e fechado. É preenchido um relatório de coleta e enviado ao laboratório de química forense em Porto Alegre em no máximo 30 dias para análise. 



  • Alguns fatores podem ser determinantes para a incrustação dessas partículas na pele:  
  • idade da pólvora que havia no cartucho; espécie e condições da arma;
  • volume da mão do suspeito;
  • espécie e condições da arma;
  • técnica do disparo.

Importante salientar que este exame não serve como prova em juízo, nem é um indício seguro para o Perito Criminal. Pode servir, sim, como orientação que, unido com outros exames, auxilia na formação de certeza pelas autoridades judiciária ou policial.

Somos nós, auxiliares de perícias que realizamos este tipo de exame, no vivo ou no morto.

terça-feira, 5 de março de 2013

Homicídio? Acidente? Morte natural?

Fomos chamados para uma ocorrência de homicídio. Ao chegarmos constatamos uma ferida irregular, estrelada, com ponte de tecido; típica ferida contusa. No local da ocorrência do fato foram formuladas algumas hipóteses de como teria se dado a dinâmica e se o ferimento teria sido capaz de causar a morte, já que não havia outra lesão. As coisas realmente não batiam, pois uma enxada estava junto ao corpo, mas era quase impossível que ela fosse a responsável por tal lesão. Para sanar as dúvidas o corpo foi encaminhado para necrópsia onde foi constada morte natural, como imaginávamos inicialmente. Elementos de convicção? Pouco sangue no local indicou que o ferimento se deu logo após a morte; uma pedra com vestígios de sangue foi encontrada próxima do local; corpo sem sinais de violência ou lesão que pudesse ter causado a morte. Trabalho em equipe é isso ai, sucesso!

sexta-feira, 29 de abril de 2011

Começando a trabalhar

Ah, vocês estão achando que eu me lembro da primeira necropsia que fiz? Claro que eu não!! Lembro de pensar no dia: “não posso esquecer, esta é a primeira!”. E fiquei lá, obviamente estava com um dos meus colegas, pois trabalhávamos em dupla na época, mas também não lembro quem era!
Enfim, só para que vocês entendam que o meu trabalho é como outro qualquer, a gente esquece com o passar do tempo. Mas com certeza tem casos que não esquecemos, igualmente como em qualquer trabalho como disse antes, e estes contarei aqui nos próximos posts.
Quero contar para vocês como é trabalhar aqui no Posto Médico legal de Pelotas, em relação a nossa infraestrutura.  Somos 8 auxiliares de perícia (4 mulheres e 4 homens), 6 médicos legistas, 2 estagiários (que fazem o trabalho na secretaria). A escala dos auxiliares conta com 2 por dia, os médicos é 1 por dia e os plantões são de 24 horas. Temos 2 viaturas, uma para fazer trabalho de rua e outra para o recolhimento de cadáveres.
Já fazemos este serviço de recolhimento a uns 4 anos eu acho e lembro que quando começamos eu disse para o meu chefe quando ele disse que era provisório: “se a gente começar vamos fazer para sempre!”. Dito e feito! Nunca mais paramos e nem vamos parar.
Mas falando sinceramente, é uma parte muito legal do nosso trabalho por dois motivos: primeiro porque participar do local e ver como tudo está e o que aconteceu, os elementos são importantes na hora da necropsia e que quando nós não íamos, não tínhamos noção. E segundo porque é muito divertido! (não me entendam mal, to falando de toda a função que envolve o deslocamento dessa grande equipe, não o fato em si.) Temos mais contato com outros colegas como os peritos criminais e fotógrafos, polícia civil e brigada militar.
Nossa sala de necropsia tem 3 mesas, raramente excedemos a necessidade. Temos também uma câmara fria com 4 gavetas, adoro vê-la vazia.
Dormimos no plantão, temos cozinha, quarto e o escritório...armários, beliches, fogão, televisão, tudo que se precisa para passar um plantão mais ou menos confortável.
Houve épocas em que fomos 6, 7 auxiliares, houve épocas em que éramos 4 mulheres para 2 homens...que tínhamos que recolher em uma caminhonete C-20 (eu acho) caindo aos pedaços, que dava medo de andar e inclusive 2 colegas se acidentaram nela porque nem as marchas engatavam. Já houve época de tudo nesses 7 anos, já tivemos em situação mais precária, estamos ainda, mas tem melhorado desde que entramos.

sábado, 9 de abril de 2011

Para assumir um cargo é preciso ter "paciência"...

Tá pensando em fazer um concurso pro IGP? Então vou contar como é essa caminhada.
Já falei que eu fiz o concurso no final de 2002 e final de 2003 fui para Porto Alegre para fazer o curso de formação para depois assumir em Pelotas. Então, em novembro de 2003 me mandei. Achei na internet uma pousada num bairro perto da PUC. Que loucura aquilo...cheguei lá de mala e cuia, meus pais me levaram. O lugar era parecido com um Hostel, mas muito, muito mais maluco! Eu fiquei num quarto com banheiro só pra mim, mas o resto do lugar era quase um acampamento...tinha gente da Bélgica, Estados Unidos, França e tudo mais...a dona dava aula de francês e tinha um cara que parecia um índio americano que era um "faz tudo". Eu e uma colega ficamos lá, a Magda Shama, hoje ela trabalha no IML de Novo Hamburgo.
Nossas aulas eram prédio do Departamento Médigo-Legal (DML) na avenida Ipiranga, ao lado do Palácio da Polícia, no período da tarde, eramos uns trinta em cada turno. No primeiro dia que pisamos lá, dei de cara com uma coisa que tinha em cima da mesa....gigantesca, verde, parecia um balão e pensei: "esse cheiro é desse negócio ai?"...poucos segundos depois me dei conta que era alguém, que foi alguém...e o cheiro forte era disso sim! "Pô, que azar...ah, é a recém o primeiro dia, sem desespero..."- pensei.
Nesse momento vi que uns dois colegas sairam correndo...sai atrás pra ver o que era...eles foram catá um outro colega meu que tinha saído em disparada pela rua, apavorado!! Ai, coitado...mas tive que rir...!
E os auxiliares de perícia que eram nossos professores? Eles abriam a câmara fria e escolhiam um para entrar com eles lá dentroooo!! Para vocês terem uma ideia, quando ela era aberta tu sentia o cheiro a umas 2 quadras! Imagina lá dentro...tu fica com o cheiro entranhado uns 3 dias! Eu me escondia!
Como víamos os outros colegas combinando de sair de noite e morávamos muito longe, resolvemos nos juntar a eles e ir morar no alojamento, no prédio da Brigada Militar, perto do Shopping Praia de Belas. Beliches, mosquitos, banheiro esquisito, sem armário, uma televisãozinha e o meu violão. Todas as mulheres juntas em um e os homens, em outro. Mas pelo menos começamos a nos divertir!! De manhã eu ia caminhando até o centrão, comprava frutas e tal. Depois da aula voltávamos para o alojamento por volta das 19h, primeira coisa: BANHO! Ah e detalhe: era tudo free! (muito importante em épocas difíceis).
Lembrando que ganhavamos uma bolsa de aproximadamente duzentos reais, então "magina"!
O DML de POA é muiiittooo movimentado! Tu não pára! Exaustivo...o que me fez aguentar era porque eu sabia que ia trabalhar em Pelotas, se não não sei se eu teria aguentado o tranco...muito forte.
E assim passei 4 meses...me lembro quando avisaram que a gente podia ir embora..nossa, sai num desespero (não só eu né, todos!) colocamos as tralhas no carro da irmã dessa minha colega e se mandamos para a rodoviária!
Isso foi em fevereiro de 2004. Dia 24 de maio me apresentei pro meu chefe em Pelotas e começei minha caminhada!

segunda-feira, 4 de abril de 2011

No começo...

Dia comum. Chego no cursinho pré-vestibular que fazia na época, meu primo me olha e diz: "abriu um concurso ai, acho que é legal...é no IML, tenho um amigo que trabalha lá...cai o que estamos estudando...e ai, topas?" ...Pensei um segundo e disse:
- Claro, por que não!
A prova foi num dia muito quente, sufocante, em Porto Alegre. Terminei a prova e tive que fica esperando pra sair com a prova...meu primeiro concurso, queria uma recordação! Fiquei esperando horas no sol escaldante o resto dos candidatos...foi uma indiada completa.
Depois disso minha vida continuou normalmente, nao corrigi a prova e meio que esqueci que tinha feito o concurso. Um dia meu primo me liga:
- E ai! Passamos!
- Onde? O que houve? - Pergunto eu.
- No concurso, tche, não lembras?
- Ah, fala sério...então ta!
Depois disso decorreram todos aquelas fases como teste psicotécnico, médico, etc...
O concurso foi final de 2002 e fomos pra POA fazer o curso de formação só final de 2003. Nesse ano passei no vestibular pra Odontologia na UFPel (Federal de Pelotas/RS) e Direito na FURG (Federal de Rio Grande/RS) - depois resolvi mudar de vida e fui fazer Odontologia e trabalhar em Pelotas.
Mas, enfim, vocês não imaginam o que é ver um cadaver pela primeira vez...é muito bizarro!! Eu ficava lá, de canto, só obsevando e pensando: "what a hell am I doing here??", "onde é a saída, porra!". Passei mais de uma semana sem conseguir comer arroz....não me pergunta por quê!
Como o ser humano se acostuma às condições mais adversas, eu também me acostumei com aquilo TUDO.
Quando tomei posse e fui trabalhar em Pelotas as coisas foram melhorando, melhorando ao ponto de hoje eu querer ser odontolegista! Me apaixonei pela ciência forense e espero fazer todos vocês sentirem o mesmo.